Como fica a identidade do brasileiro após o resultado das urnas?

Em entrevista ao Crypto ID, o diretor-presidente do Instituto Internacional de Identificação (InterID) e presidente da Abrid (Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia em Identificação Digital), Célio Ribeiro, comenta sobre os rumos do projeto de identidade única no Brasil com a eleição do novo governo

No último domingo, 30, mais de 118 milhões de brasileiros foram às urnas para escolher o próximo presidente do Brasil. Após o resultado, setores da sociedade podem se perguntar sobre o futuro e se suas pautas estarão inclusas nos programas do novo governo.

No setor de identificação, que há quase 40 anos enfrenta obstáculos políticos para implementar a tão sonhada identidade única do cidadão, as inquietações podem ser expressas pela continuidade da Carteira de Identidade Nacional (CIN) e pela necessária modernização contínua dos institutos de identificação.

Para trazer luz ao tema, o Crypto ID divulga entrevista com Célio Ribeiro, que comentou sobre estes e outros aspectos da identidade no Brasil.

Crypto ID: Você é um dos maiores nomes do setor de Identificação do Brasil. Com o novo governo, corremos o risco de desacelerar a nova e já em andamento Identidade Nacional?

Célio Ribeiro: Em agosto de 1983, a Lei 7.116 estabelecia a expedição e validade da carteira de identidade no Brasil, o famoso RG. No entanto, apenas em 2022, por meio do Decreto 10.977, houve a devida regulamentação de governança com a instituição da Carteira de Identidade Nacional (CIN). Não existe, na minha opinião, qualquer possibilidade de desaceleração da implantação deste projeto. É fundamental para o Estado brasileiro e para suas unidades federativas que esta iniciativa siga em frente o mais rápido possível. Não podemos mais atrasar esta tão necessária identificação do brasileiro, com modernidade e segurança. O tema da identificação é básico em qualquer sociedade. No Brasil, infelizmente, ele ficou por muito tempo parado, muitas coisas não andaram como deveriam e várias pessoas envolvidas no tema não conseguiram, por vários motivos, dar a sequência necessária.

Crypto ID: Temos quase 40 anos de legislação sobre a identidade no Brasil. Já se falou em RIC, IDN, DNI e agora temos a CIN. Por que houve tanta disputa por esse tema?

Célio Ribeiro: A regulamentação sempre encontrou dificuldades de modernização, pois as unidades da federação têm características e condições muito regionais. Em 2010, tivemos o lançamento do Registro de Identidade Civil (RIC), grande passo de uma identidade moderna e segura que, infelizmente, não teve continuidade no governo seguinte. Após isso, tivemos paralisação do projeto. Conseguimos trabalhar para que a CIN viesse a ocupar este espaço fundamental na identificação do brasileiro. O nome pouco importa, o que importa é que tenhamos, repito, uma identidade moderna e, principalmente segura. O trabalho que tem sido desenvolvido precisa ser cada vez mais aprimorado e intensificado. Este é um tema que trata de muitos assuntos fundamentais: cidadania, o principal deles, o direito do indivíduo se identificar, o direito de ele existir perante a sociedade, além da jamais negligenciável segurança pública. É fundamental que as pessoas sejam individualizadas, para que cada um arque com as consequências dos seus atos. Essa individualização evitaria que determinadas pessoas se passassem por outras e que inocentes pagassem por delitos que jamais cometeram. É preciso que haja governança, e isso está sendo feito. Acredito que continue.

Crypto ID: Há 12 anos, você entregou, em mãos, a carteira de identidade ao então presidente Lula, a mesma que ele exibiu após votar no segundo turno. Como você avalia a percepção do governo eleito sobre o tema da identificação?

Célio Ribeiro: Eu diria que a imagem do presidente eleito Lula, exibindo sua carteira de identidade, o RIC, emitida em 2010, ao lado de seu comprovante de votação, demonstra exatamente tudo o que estamos falando sobre identidade. É o orgulho que o cidadão tem de portar sua identidade, de mostrar que é identificado, de demonstrar cidadania. Esta imagem fala por tudo, ela representa exatamente o que queremos dizer sobre a carteira de identidade. É ela, a identidade, que identifica a pessoa, que garante cidadania.

Crypto ID: O tema da identificação, seja em governos passados ou no atual, parece enfrentar muitas barreiras políticas para avançar. Por que isso ocorre?

Célio Ribeiro: Como disse antes, o tema da identificação compreende vários e fundamentais assuntos. Ele é regulamentado pelo Governo Federal e executado pelas unidades federativas do Brasil. São 26 estados e o Distrito Federal, cada um sua estrutura, tipo de governo e interesses. Nossa missão tem sido a de conciliar, congregar e agregar esforços. Hoje, a identificação no Brasil está sendo vista como instrumento de cidadania, finalmente. É vista também como algo primordial para levar cidadania aos quatro cantos do Brasil. Com certeza, com esta visão presente em todos os estados haverá a implantação do projeto com a devida identificação civil de todos.

Crypto ID: Quais conquistas da área de identificação, além da CIN, que você considera essenciais a manutenção?

Célio Ribeiro: A grande conquista na área de identificação é a governança que há sobre o tema. O governo federal, de forma organizada, construiu uma estrutura capaz de fornecer às unidades da federação tudo o que é preciso para a emissão da carteira de identidade. Este é um legado muito importante. Agora, o que precisamos fazer é garantir que esta integração entre estados e União ocorra o mais rápido possível. É imprescindível a troca de informações, a utilização de dados biométricos nas unidades da federação e, claro, que este banco de dados esteja sob a governança do Poder Executivo Federal.

Crypto ID: Temos uma indústria nacional capaz de produzir mais de duas centenas de milhões de documentos? Qual sua avaliação sobre nosso conhecimento técnico e know-how?

Célio Ribeiro: Desde o projeto RIC, a indústria brasileira se modernizou e se preparou para esta missão da identificação dos brasileiros. Temos hoje total domínio desta tecnologia, e as maiores empresas do mundo estão instaladas no Brasil. Atualmente, o sistema de identificação nacional é operado e abastecido pelas melhores e mais experientes fabricantes de documentos de segurança e as maiores e melhores empresas de biometria. O Brasil tem capacidade total de ofertar o melhor produto com a melhor tecnologia existente no mundo. Não temos hoje nenhuma defasagem em relação a isso.

Crypto ID: Já falamos em outras oportunidades sobre a necessidade de modernização dos institutos de Identificação. Qual é o atual estágio deles e quais avanços foram alcançados para a consecução de um projeto tão grande?

Célio Ribeiro: A modernização dos órgãos oficiais de identificação brasileira é fundamental, e isso está sendo feito e assim continuará. Uma das coisas mais importantes sobre a governança federal é exatamente o auxílio às unidades da federação. Como se trata de um projeto de Estado, tudo o que está sendo feito ocorre de uma forma não pontual, mas sim com o intuito de o tema ir adiante, de prosperar como assunto de Estado e não como assunto político, independente de quem esteja no poder. Identificação deve ser tratada assim. Precisamos fazer com que as unidades da federação estejam preparadas para a integração entre si e com o Poder Executivo Federal.

Crypto ID: Houve correntes que defenderam a ideia de um documento de identidade 100% digital. Isso é viável ou mesmo seguro? Algum lugar do mundo possui este modelo?

Célio Ribeiro: A identidade digital é uma realidade. Desde 2007, quando fundamos a Abrid (Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia em Identificação Digital), trabalhamos com a missão de fazer, de forma responsável, sistemas de identidade digital. É fundamental que exista segurança quando se fala de documento digital com validade de identidade civil, e isso não é qualquer documento. Não pode ser frágil, nem haver lacunas para insegurança. Nesta trilha, o documento digital deve ser derivado do documento físico, pois é este que tem validade legal e amplitude social, pois chega às mãos de todos, inclusive dos menos favorecidos. Um documento exclusivamente digital exclui aqueles que não possuem um smartphone ou, ainda, que não tenham um bom pacote de dados contratado. A premissa de possuir um dispositivo móvel é excludente. Não se trata de não haver identidade digital, pois ela facilita a vida de muitos, mas ela deve estar agregando, deve ser um “plus”, mas não a versão única do documento de identificação civil do cidadão.

Crypto ID: Para encerrar, qual é a sua expectativa sobre o projeto de identidade nacional única do cidadão? Estamos no caminho certo? Teremos, enfim, uma carteira de identidade emitida pelo Estado moderna, segura e confiável?

Célio Ribeiro: Minha expectativa é a melhor possível. Na realidade, fizemos um trabalho muito importante em que o Governo Federal e unidades da federação, ao lado da indústria e da sociedade civil organizada, uniram-se para, finalmente, ter uma identidade civil segura e moderna. Temos hoje um sistema de identificação sendo implantado. Há muito a fazer, vários desafios, mas o importante é ter a certeza de que se trata de um projeto de Estado, é ter a certeza de que quem estará a frente do Brasil nos próximos anos também trabalhou intensamente, à época, para ter um documento forte e seguro. Esse documento, a carteira de identidade, deve chegar às mãos de cada brasileiro onde quer que ele esteja, dando a cada indivíduo a garantia de sua cidadania.

Fonte: Crypto ID

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